8/06/2007

Álbum de cordas

Fernanda: Essa minha cara de terça-feira...esse meu humor saturado...pele parda...
João: De que falas?
Fernanda: De que falo?
João: Seus gritos acordarão nosso filho.
Fernanda: Que acordem. Ele faz parte dessa miséria.
João: Reclamas da vida mas a tem em condições. Deveria ser punida tú.
Fernanda: Ah como desejo que tal fosse!
João: De que falas, mulher?
Fernanda: Falo da minha falta de música, João. Da minha retumbante falta de alma. Vês a cor de minhas roupas? Beges como a falta de cores. Nem brancas, nem negras. Beges.
João: Que te tomaste mulher?
Fernanda: Nada João! Não vês?
João: Deixe de gritos Fernanda. Seu filho já dorme e nem respeito por isso tens. Engula teus problemas para ti e deixe que fiquemos em paz.
Fernanda: Em paz? São vocês imensa parte de minha vida bege! Se grito melhor que acorde, pois assim me ouvirá!
João: Não seria prudente lamuriar a um menino de adolescente idade. Não lhe faria bem algum.
Fernanda: Pois que não faça. Assim saberia ele que não passa de um inexpressivo garoto com nenhuma habilidade. Um ninguém!
Pedro: Isso é o que se passa nessa sua cabeça doente.
João: Filho, volte. Sua mãe não fala o que pensa.
Fernanda: Falo e hoje é a primeira vez que o faço. Cansei dessa vida inativa, dessa falta de lágrimas, desse grande nada, de ser secretária, vocês não fazerem nada. CANSEI!
João: Reclamas de uma vida boa. Tens saúde e reclamas.
Fernanda: Não me entendes nunca João. Preferia estar de cama, doente de morte! Assim ao menos minha vida balançaria, estaria na beira. Há muito não sinto mais nada João. Há muito!
João: Cala-te mulher idiota. Deverias cair de joelhos pela vida que tens.
Fernanda: Seria mais feliz se caísse, se chorasse mais, se sorrisse mais. Mas vocês dois não fazem nada, são duas almas vazias!
João: Queres perturbar nosso filho?
Fernanda: Pelo menos ele teria uma personalidade. Seria significante e expressivo, seria colorido, ainda que de negras cores, seria mais forte e mais emotivo, atingiria as pessoas mais profundamente, marcaria muito mais!
João: Estás louca!
Fernanda: Talvez esteja, finalmente! Não sabes há quanto procuro assim ficar!
João: PERTURBADA!
Fernanda: Isso! Perturbada! Louca, devassa, maligna, cruel, errada!
João: Por quê fazes isso?
Pedro: Por quê fazes isso?
Fernanda: Porque nunca fiz parte de nenhuma grande idéia em toda a minha vida. Eu sempre fui a média, a normal, a bege! EU ODEIO BEGE!
João: Pedro, já disse, vá dormir!
Pedro: Acho inacreditável que você não perceba que a única inexpressiva neste quarto é você! Se eu e meu pai somos tão média, não por mais seria do que para lhe agradar. Sustentamos nossos espíritos em jaulas para que não nos perturbasse. A nós sempre pareceu escolha tua ser tão tristemente normal. Culpa a nós dois a sua vida entediante??? A FALTA DE CORAGEM PELAS COISAS É SUA E TODA SUA!!!
Fernanda: Minha? ...a culpa... é minha? A culpa é toda minha...

Chorando Fernanda foi para sua cama. João preferiu dormir em outro quarto. Pedro deitou ao lado de sua mãe segurando suas mãos.

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